sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Categoria Plus Size também é exclusiva

Título original: Criticar a indústria Plus Size é preciso

Spartacus Breches/Divulgação

A indústria da moda é construída sobre o pilar da padronização feminina. Para fazer sucesso nesse ramo, muitos critérios de aparência física precisam ser atendidos; e ser magra, certamente, é um dos requisitos mais importantes. Apesar disso, alguns segmentos da indústria da moda têm concedido espaço para a chamada “moda Plus Size”: uma alternativa supostamente voltada para as mulheres gordas. Mas a maior parte das marcas, sobretudo por meio da publicidade voltada a esse ramo, continuam reproduzindo exclusão e criando uma hierarquização de corpos. Afinal, qual será o tamanho necessário para ser considerada plus size? E por que os catálogos de roupas mostram mulheres tão parecidas umas com as outras?

Para entender esse fenômeno é preciso refletir sobre o que é considerado belo em nossa cultura: o padrão branco e magro de beleza é mantido como o ideal e mulheres realmente gordas ainda são carimbadas como feias, inadequadas e desagradáveis aos olhos. A ideia de que existe um tipo certo de gorda, mais frequentemente a mulher chamada de “gordinha”, “cheinha” ou “gordelícia”, também colabora com a estigmatização das mulheres maiores.
Por isso, ao passar as páginas de um editoral de moda Plus Size, é possível ver várias fotos das ditas mulheres “cheinhas” ou até mesmo magras – geralmente também com cabelos lisos e pele clara. Estrias e celulites, tão comuns nos corpos das mulheres na realidade, são completamente inexistentes nessas imagens. Editar a fotografia e modificar o corpo dessas modelos são práticas comuns; ou seja, apesar da indústria alegar que gera inclusão, acaba por reforçar padrões discriminatórios e irreais, além de naturalizar mentalidades racistas e higienistas.

Veja fotos sem efeitos e retoques de Mulheres reais, projeto criado pela ativista Jes Baker em parceria com a fotógrafa Liora K, valorizando a beleza natural feminina - contribuição do autor (Kayc Pereira).

Não há nada de errado em ter um corpo gordo com celulites e estrias e nenhuma mulher deveria precisar se enquadrar em um padrão de “boneca” para ser considerada bonita. A beleza pode até ser algo subjetivo, mas a indústria Plus Size não parece concordar com essa afirmação, uma vez que perpetua todo tipo de imposição estética sobre suas modelos. As mulheres realmente gordas, aquelas que não têm o corpo meramente “cheinho”, acabam sendo ainda mais discriminadas, considerando que nem mesmo o próprio ramo Plus Size abrange suas necessidades.

Pensando nos tamanhos, formas e modelagens, a maioria massiva das roupas para gordas encontradas no mercado nem de longe consegue atender a vasta diversidade de corpos femininos. A começar pelas próprias gordas, que precisam procurar roupas particularmente grandes mesmo para o padrão “Plus Size”, já que as roupas comercializadas dificilmente vestem seus corpos. Além disso, nem toda gorda tem um corpo curvilíneo, com seios grandes, cintura fina e quadris largos. Os corpos gordos não são todos iguais e as donas desses corpos diversos também querem roupas bonitas, de qualidade e de preço acessível.


Ainda em tempo, há muito mais a ser criticado na indústria Plus Size. É preciso lembrar que a padronização e a segregação de pessoas jamais deve ser aceita, onde quer que esteja, até mesmo no ramo da moda. A indústria Plus Size não fornece uma solução verdadeira para quem é gorda, mas toda mulher tem o direito de se vestir com roupas de qualidade, confortáveis e adequadas para o seu tamanho; é lamentável que algo tão simples ainda necessite de tantos protestos para se tornar realidade.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Corpo e sexo foi instrumento de resistência política na década de 80

Título original: Pornografia foi usada para subverter a arte nos anos 80

"Antes de dominar a palavra escrita, o homem já desenhava sacanagem nas paredes das cavernas"


Entre 1980 e 1982, sob a ditadura militar, um grupo de jovens artistas utilizou a estética e a performance do corpo como resistência política e ferramenta para uma arte inovadora. Quase sempre pelados e sem medo de gozar, o Movimento de Arte Pornô, produziu conteúdo inovador e libertário.


Concebido por Eduardo Kac, teve como primeira a atividade a invasão repentina do posto 9 de Ipanema com o Top Less Literário com performances, leitura de poesias, exibição de cartazes e distribuição de material.

Depois, Trindade e Teresa Jardim, Braulio Tavares, Ana Miranda, Cynthia Dorneles e Sandra Terra juntaram-se a turma, que intitulou-se coletivo Gang. Juntos iam para as ruas proclamar o amor e perpetuar o gozo nas artes, na política e na vida.


“O Pornopoema vai por no poema”


Apesar do forte cunho político, o Movimento de Arte Pornô tinha uma consciência estética e buscava criar novas formas de arte e poesia. Romper as amarras da literatura e da arte também era um dos objetivos do grupo. Com a sensação de que tudo já havia sido feito, eles queriam fazer um da strip-tease da arte, sem o moralismo dos críticos e o vazio dos museus.

Apesar do nome, o grupo nunca produziu pornografia tradicional. A ideia era utilizar a sua lógica como ferramenta de combate político.


Para isso, fez uso diversas linguagens, como literatura, performances, quadrinhos e fotografia. Mas a poesia foi a principal ferramenta e era levada para espaços públicos, com cartazes e proclamação. “O Poema Porno taí para abrir as pernas e as ideias” , proclamavam.

O grupo publicou três edições do zine Gang, livretos, camisetas, gravuras e histórias em quadrinhos.

Saiba mais sobre Movimento aqui. E veja galeria de imagens em blog sobre o Movimento aqui.

Fonte: Catraca Livre

sábado, 16 de agosto de 2014

A doença do prazer

Remédio da década de 1920 promete a cura para a esterelidade e fraqueza senil: era por uma sexualidade cotidiana e disciplinada no seio da família

Por Cristiana Facchinetti

As demarcações de diferença anatômica e do comportamento sexual, bem como de suas “patologias” eram um desafio para a ciência da segunda metade do século XIX. O surgimento das teorias da hereditariedade aumentava o temor sobre consequências funestas dos desvios nessa área: além de prejudicar física e moralmente o indivíduo, tais anomalias afetariam seus descendentes diretos e, por extensão, ameaçariam o organismo de toda a nação pelo risco de degeneração social.

No Brasil, como na Europa, políticas estatais e científicas se articulavam para estabelecer o controle e a regulação moral dos indivíduos, especialmente no que se refere à saúde e à reprodução da população. Entre nós, porém, havia um obstáculo em especial: a questão racial. Especialmente após a Abolição (1888), a miscigenação tornou-se um tema crucial nos debates científicos. Mais do que a raça negra – considerada primitiva, mas pura – era a mistura racial que, pensava-se, produzia a degeneração. A medicina do período definia a população brasileira como um coletivo de indivíduos mestiços e desequilibrados, de agir impulsivo, instintivo e irracional, incapazes de se submeterem a uma organização política mais evoluída.

Novas especialidades médicas ganharam impulso. Entre elas, a medicina mental, que também sublinhava as “mazelas de nosso laboratórioétnico”, como escreveu o médico Renato Kehl. Esse clima de pessimismo científico era embalado, ainda, pelo crescimento desordenado das cidades, pelas greves e os movimentos urbanos.

No início do século XX, as descobertas da microbiologia adicionaram uma perspectiva social ao “diagnóstico” do brasileiro. Ele se definia, agora, pela falta de saúde e de educação. Além das teorias da hereditariedade, passaram a ser consideradas as influências do meio para as degenerações psicológicas e físicas.

Um símbolo dessa mudança de pensamento é o personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato. Nas crônicas “Uma velha praga”, publicadas no jornal O Estado de São Paulo em janeiro de 1914, o escritor explicita o caráter degenerado do mestiço: o caboclo Jeca Tatu é o “funesto parasita da terra”, descrito como “baldio, seminômade, inadaptável à civilização”, “fronteiriço, mudo e sorna [fingido]”. Em dezembro do mesmo ano, no mesmo jornal, Monteiro Lobato publica Urupês e recupera a imagem do personagem. Desta vez, descreve Jeca Tatu como um doente, vítima da miséria e da indigência. “Jeca não é assim: está assim”, ou seja, é passível de regeneração por meio do saneamento e da educação.

A combinação entre o biológico e o social também repercutiu nos estudos da sexualidade. A medicina mental dedicava-se à trama sexual dos impulsos, considerando não apenas a hereditariedade, mas também os comportamentos sociais e as características físicas e psíquicas dos indivíduos. Por um lado, o ser humano era visto como “um cabide de glândulas”, na expressão de Renato Kehl. Equilibrar suas secreções, os hormônios, era garantia da “plena posse de seu personalismo”, e bastaria uma única glândula funcionar “mais ou menos mal para surgirem os fenômenos nervosos”. Por outro lado, a “fisionomia” mental e moral do indivíduo também seria condicionada pelo meio. Daí a importância da educação para a construção das identidades. Mesmo o instinto sexual, o mais irremediável dos instintos, poderia ser educado.

Para garantir a transformação da “raça brasileira”, frequentemente reconhecida como vítima dos impulsos instintivos e da sensualidade excessiva, a medicina mental, por meio da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada em 1923 pelo psiquiatra Gustavo Riedel (1887-1934), organizou um projeto de educação sexual que se propunha a ensinar “a reprodução, a verdadeira significação do casamento, o combate às doenças venéreas, o problema da prostituição, a higiene social etc.”. Educar significava equilibrar os impulsos: imprimir uma conduta que impedisse tanto o excesso quanto a continência sexual. A peça-chave para essa regulação era o casamento programado por critérios científicos. Ao domesticar os instintos desenfreados por meio de uma sexualidade rotineira e controlada no interior da família, o matrimônio moldaria cidadãos republicanos exemplares: a “esposa-mãe” (“o tipo completo da mulher normal”) e o homem varonil, capaz de sublimar parcialmente seus instintos deslocando-os para o trabalho e para o sustento da família, sua principal função social. Além disso, as escolhas conjugais que contassem com a ajuda de exames pré-nupciais e conselhos médicos proporcionariam uma melhoria substancial da nação, produzindo proles sadias.

Mas esse combate ao imaginário hipersexual da brasilidade nasceu ameaçado. No período do entreguerras (1918-1939), em meio às transformações das grandes cidades brasileiras, a normalidade, longe de estar garantida pela ciência, se tornaria cada vez mais instável.

Enquanto a medicina recomendava às mulheres a maternidade e o cuidado das proles, as “boas moças de família” começavam a ter acesso ao estudo e ao trabalho fora de casa, ganhavam o espaço público, circulavam em festas, lojas e teatros, liam romances, iam aos cinemas. Embora ainda não hegemônica, crescia a recusa ao casamento e à maternidade, e também a aquisição de hábitos considerados virilizantes, como o uso de calças, o corte dos cabelos à la garçonne (curto, como de homens) e o hábito de fumar. Cada vez mais se exigia o fim da exclusividade da dona de casa, especialmente na classe média. A utopia médica era arruinada pelo “excesso de intelectualização” feminina, que daria “recursos ao egoísmo, diversão do espírito, orgulho sem limites, malevolência, falta de compreensão completa dos deveres sociais”, como está descrito nos Archivos Brasileiros de Psychiatria Neurologia e Sciencias Affins, de 1906. Como bem definiu Maria Bernadete Ramos, eram as “novas Evas reivindicando democracia sexual”.

No campo da sexualidade masculina, a proliferação da sífilis, desencadeadora de doença mental, denunciava a continuidade dos excessos venéreos na população, limitando o alcance dos projetos de futuro. Novos comportamentos na cidade moderna também se contrapunham ao modelo masculino provedor. Personagens marginais, mas de grande repercussão pública, como João do Rio, Lima Barreto e Oswald de Andrade, são testemunhos seguros – tanto em sua obra quanto em seu estilo de vida – de costumes pouco adequados ao ideal do trabalhador casado. Pululam na literatura da época tipos que reafirmam as “sexualidades interditadas” pelos médicos, como anotou Julio Pires Porto-Carrero: celibatários, libertinos, polígamos, desquitados, uranistas (homossexuais) e “toda a turma de personalidades psicopáticas” que, apesar de seu “grau intelectual alto”, teria “incapacidade acentuada para adaptar-se à norma”.

No conto “História de gente alegre” (1910), de João do Rio, mulheres “unissexuais” se perdem nos excessos da noite, protagonizando cenas de entrega aos seus desejos em público, regados à morfina. Lima Barreto, na crônica “No ajuste de contas”, de 1918, cobrava das feministas burguesas e conservadoras que se colocassem contra o casamento, “que tende a se perpetuar entre nós, aviltando a mulher, rebaixando-a ao estado social da barbárie medieval, de quase escrava; degradando-a à condição de cousa, de animal doméstico, de propriedade nas mãos dos maridos...; não lhe respeitando a consciência e liberdade de amar a quem lhe parecer melhor, quando e onde quiser; contra tão desgraçada situação da nossa mulher casada, edificada com estupidez burguesa e a superstição religiosa, não se insurgem as borra-bostas feministas que há por aí”. Oswald de Andrade, por sua vez, brada em Serafim Ponte Grande (1933) contra a hipocrisia da sociedade, e são múltiplas as suas menções a questões sexuais, relacionamentos fora do casamento e experiências homossexuais.

Enquanto a medicina criava o Brasil fabril e regenerado, intelectuais, artistas, mulheres, homossexuais, negros e mulatos criavam o Brasil febril, moderno-modernista.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

OMS manifesta preocupação com ebola

Como qualquer fator de risco à integridade física da população mundial, a propagação do vírus ebola virou pauta da Organização Mundial da Saúde (OMS). A notícia abaixo provém de um acontecimento discursivo capaz de provoca emoções, tais como medo, pânico e alvoroço. A informação é tão forte que assemelha-se às previsões apocalípticas - Do autor (Kayc Pereira Alves).


Título original: OMS: epidemia de ebola é emergência de saúde pública mundial


Inaki Gomez / Spanish Defense Ministry / AFP:
Padre católico espanhol Miguel Pajares, que contraiu o vírus Ebola, sendo transportado de base aérea de Torrejon de Madrid para o hospital Carlos III em sua chegada a Espanha, no dia 7 de agosto



A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou nessa sexta-feira 8 que a epidemia de febre hemorrágica pelo vírus ebola, registrada em pelo menos quatro países da África Ocidental, é emergência de saúde pública de alcance mundial.

"A OMS aceitou as conclusões" da Comissão de Emergência Sanitária, que esteve reunida quarta 6 e quinta-feira 7 desta semana em Genebra, informou a diretora-geral da organização, Margaret Chan. Segundo ela, a comissão foi unânime em considerar que se verificam as condições de uma emergência de saúde pública de alcance mundial. Diante de uma situação que continua a agravar-se, é necessária uma resposta internacional coordenada para "travar e fazer recuar a propagação internacional do ebola", acrescentou.

A epidemia de ebola, que já causou a morte de cerca de mil pessoas desde o início do ano, com mais de 1.700 casos suspeitos, é a mais mais grave das últimas quatro décadas, destacou Chan. Ela disse que os países da África Ocidental mais atingidos - Libéria, Serra Leoa, Guiné-Conacri e Nigéria - não têm meios para responder sozinhos à doença e pediu à comunidade internacional que forneça o apoio necessário.

A comissão alertou que os Estados devem estar preparados para detectar e tratar casos de ebola, além de facilitar a retirada de cidadãos, em particular pessoal médico, que estiveram expostos ao vírus da febre hemorrágica. Foi pedido ainda que os chefes de Estado dos países afetados devem "decretar estado de emergência" e "dirigir-se pessoalmente à nação para fornecer informações sobre a situação".

O responsável da OMS para a epidemia, Keiji Fukuda, adjunto de Margaret Chan, disse que a quarentena de pessoas suspeitas de infecção deve ser 30 dias, já que o tempo de incubação é 21 dias.

As pessoas que estiveram em contato com os doentes, à exceção do pessoal médico equipado com roupa protetora, não devem ser autorizadas a viajar.

Keiji Fukuda lembrou ainda que as tripulações de voos comerciais, que se desloquem a países afetados, devem receber formação específica e material médico para proteção pessoal e dos passageiros. "Impedir as companhias aéreas de viajar para esses países iria afetar a sua economia", observou Chan.

A comissão recomendou também que todas as pessoas que saiam de países afetados sejam examinadas nos aeroportos, portos e principais postos fronteiriços, mediante um questionário e medição da temperatura, devendo ser impedidos de viajar quaisquer casos suspeitos.

O vírus já causou pelo menos 932 mortos e infectou mais de 1.700 pessoas desde que surgiu, no início do ano, na Guiné-Conacri, de acordo com a OMS. A Libéria, a Guiné-Conacri e Serra Leoa decretaram estado de emergência. O vírus do ebola é transmitido por contato direto com o sangue, líquidos ou tecidos de pessoas ou animais infectados.

A febre manifesta-se por meio de hemorragias, vômitos e diarreias. A taxa de mortalidade varia entre 25% e 90% e não é conhecida uma vacina contra a doença. O vírus foi detectado pela primeira vez em 1976 na República Democrática do Congo.

Fonte: Carta Capital

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Pesquisadora Jaqueline Conceição investiga sexualidade no universo do funk

Título original: “A BUCETA É MINHA”: O CORPO COMO SUJEITO NO MUNDO

    
Funkeira Valesca Popozuda patrocina viagem de pesquisadora aos Estados Unidos. 

Quais são as intersecções possíveis entre feminismo, funk e empoderamento da mulher? A pedagoga Jaqueline Conceição se debruçou sobre essa questão em artigo que será apresentado na Universidade de Columbia

Por Marcelo Hailer

O nome de Jaqueline Conceição circulou nesta semana nos meios de comunicação por dois motivos: primeiro, pela campanha online que ela lançou para angariar fundos para uma viagem aos Estados Unidos, pois o seu artigo “Só Mina Cruel – Algumas Reflexões Sobre Gênero e Cultura Afirmativa no Universo Juvenil do Funk”, que trata da questão de gênero no universo do funk, foi selecionado para ser apresentado em um congresso da Universidade de Columbia, uma referência no mundo. O segundo motivo é que a campanha chegou na cantora de funk Valesca Popozuda, que gostou do projeto e resolveu ajudar Conceição a bancar a sua viagem para a terra do Tio Sam.

Conceição resolveu tratar de um tema que é polêmico nos debates feministas, a questão da mulher e do feminismo no meio do funk. Quando cantoras vociferam frases como “a porra da buceta é minha”, estão praticando autonomia sob seus corpos? “Na minha interpretação é isso, dizer que a buceta é dela é mais do que só dizer ‘que ela dá pra quem ela quer’ e o corpo como nossa unidade, como sujeito no mundo é a coisa mais importante, o que gente tem de mais de imediato é o nosso corpo”, analisa Conceição.

Pesquisadora Jaqueline Conceição.

A respeito da polêmica com setores que não enxergam nuances feministas nas performances das cantoras do funk, Conceição não se furta do debate e levanta um questionamento interessante. “Pra mim, sempre que pensei em feminismo, seria algo para garantir a minha liberdade, mas para isso tenho que me livrar do trabalho doméstico e o que a maioria das feministas faz? Pagam outras mulheres, normalmente negras, para fazer o trabalho doméstico que elas não fazem. Então, de certa forma, a liberdade dela não é plena, a liberdade dela está calcada em cima do trabalho de alguém”, comenta a pedagoga.

Revista Fórum – De onde surgiu a ideia de escrever o artigo “Só Mina Cruel”?

Jaqueline Conceição - Escrevi esse artigo pra publicá-lo num evento científico que aconteceu em Marília (SP) no ano passado. Eu queria discutir a questão do feminismo, mas não queria ficar presa à questão da academia. E, na rua de casa, tinha muito pancadão e aquilo me chamava a atenção, foi daí que surgiu a ideia de fazer esse artigo.

Fórum – De que maneira você relaciona a questão do funk e do feminismo?

Conceição – O funk mobiliza as meninas a pensarem em uma apropriação maior do seu corpo e isso está muito próximo daquilo que as feministas vêm discutindo: o direito ao corpo, ao espaço, ao prazer, da valorização da mulher enquanto sujeito histórico. E na medida em que as meninas que cantam o funk vão protagonizando cada vez mais o cenário cultural, vão também se apropriando de um contexto histórico.

Fórum – O funk é um espaço predominantemente masculino. Acredita que com a ascensão de cantoras e grupos femininos o espaço do funk se torna mais feminino?

Conceição – Na verdade, acho há uma disputa, mas não uma disputa no sentido formal, e sim dentro das relações sociais, que é um campo de extensão, e isso como em qualquer outro campo social. Na medida em que as mulheres vão se construindo enquanto mediadoras, produtoras, consumidoras e cantoras de funk, vão disputando com os homens esse espaço que está posto.

Fórum – Dá pra falar de um empoderamento da mulher no funk?

Conceição – Dá pra pensar em um empoderamento da mulher a partir do funk, inclusive por que o funk abre um debate. Por exemplo, eu estava na sala de aula com os alunos discutindo sexualidade e nós estávamos falando da questão do colo do útero, uma coisa muito pontual e informativa de escola. E um menino falou para uma menina: ‘mas você não se masturba?’, e a menina fez uma cara de desesperada e ela ‘não’, e o menino: ‘mas você tem que se tocar… Assim, pega o espelho, coloca lá e olha’. Na minha geração isso jamais aconteceria e pra mim isso é o advento do funk, ele traz isso à tona e para os jovens que estão em formação é inaceitável que uma mulher não sinta prazer. Isso o funk traz, essa coisa da masturbação, e ele traz um debate que, talvez, na minha geração a gente não tinha o acesso que eles têm hoje.

Fórum – Quando pegamos a frase “a porra da buceta é minha”, podemos dizer que são as meninas dizendo: o corpo é meu e faço o que eu quero?

Conceição – Na minha interpretação é isso, dizer que a buceta é dela é mais do que só dizer ‘que ela dá pra quem ela quer’ e o corpo como nossa unidade, como sujeito no mundo, é coisa mais importante, o que gente tem de mais de imediato é o nosso corpo. Para uma mulher, numa sociedade como a brasileira que controla o processo reprodutivo, que controla o padrão de como ela deve se vestir, falar e como deve ser, legitimar a posse do corpo e dizer que é dela, é um empoderamento sim.

Fórum – Temos alguns setores feministas que discordam dessa tese. O que pensa disso?

Conceição – O funk ele é o que ele é. Ele nem só liberta, e nem só aprisiona. Como qualquer produto cultural da sociedade em que a gente vive, uma sociedade massificada, consumidora, onde a própria cultura é mediada pela indústria, o funk é um produto que foi criado e que está sendo consumido, hoje, em grande escala e que ele pode tanto libertar quanto aprisionar.

Por exemplo: pra mim, sempre que pensei em feminismo, seria algo para garantir a minha liberdade, mas para isso tenho que me livrar do trabalho doméstico e o que a maioria das feministas faz? Pagam outras mulheres, normalmente negras, para fazer o trabalho doméstico que elas não fazem. Então, de certa forma, a liberdade dela não é plena, a liberdade dela está calcada em cima do trabalho de alguém. Mesmo sendo uma relação de trabalho, não deixa de ser um trabalho desvalorizado, um trabalho que não é reconhecido e que as próprias feministas desconsideram, que é o trabalho doméstico. É a mesma coisa o funk. Ele traz uma liberdade por que possibilita uma discussão maior sobre a questão do corpo e de lidar com o papel da mulher, mas, como ele está dentro de uma lógica machista, acaba reproduzindo o machismo. O mesmo ocorre com o trabalho doméstico, numa sociedade machista, cabe à mulher fazer o trabalho doméstico. É uma tensão que está posta.

As mulheres estão conquistando mais espaço no funk?

Fórum – Acredita que a vestimenta das cantoras de funk representa o desejo da hierarquia masculina?

Conceição – Totalmente, reforça. Aí é que está o xis da questão. Costumo dizer que o desejo é socialmente construído, a própria concepção do que é “prazer” para nós, mulheres, muito provavelmente foi construído e mediado pelos homens. Quando uma mulher diz que tem vários parceiros, ou que gosta de levar tapa na cara, ou gosta de chupar isso e aquilo, o que a gente tem que perguntar é: ela faz por que é legítimo pra ela ou está reproduzindo aquilo que foi ensinado sobre como deve ser comportar?

Mas quero fazer uma observação sobre algo que sempre me pego pensando. Se por um lado a gente tem um boom de informação pra juventude e eles têm acesso a uma série de coisas, por outro lado a questão da sexualidade ainda é um tabu. Nem a família nem a escola discutem como tem que ser discutido. Essa geração de jovens que consome funk e que tem de 15 a 20 anos, a formação sexual deles provavelmente foi mediada pela pornografia, e a pornografia é repleta de violência. A forma como a pornografia concebe a relação sexual e a sexualidade é violenta.

Muito provavelmente nas músicas eles reproduzem essa formação que tiveram, mediada pela violência.

Fórum – Agora, tem uma questão que é a seguinte: quando um homem canta que “comeu” de várias maneiras, tudo bem. Mas, se a mulher canta que deu pra vários, causa um choque. Isso está inserido num machismo cultural histórico, não?

Conceição – Quando fui fazer a pesquisa entrei justamente na questão de gênero. Não tinha segurança pra dizer que era só machismo, ou só libertário. Tinha a dúvida se não estava no meio dos dois caminhos e no final cheguei à conclusão de que é as duas coisas, às vezes ao mesmo tempo, e às vezes em oposição.


Tem uma música do Catra que ele canta “mama eu”, alguma coisa relacionada ao sexo oral, e na música ele incentiva as meninas a fazerem o sexo oral e a receberem o sexo oral. Durante um show, as meninas cantavam num coro, num frenesi. Em uma sociedade como a nossa, que vive sob um tabu sexual, estar na companhia de outros jovens e poder expressar a sua sexualidade sem que ninguém fique falando pra você, é de fato algo libertador. E como eu disse no exemplo na sala de aula, isso abre precedente para outras coisas, para uma outra geração de homem que vai ter outro olhar sobre o prazer da mulher. Pode ser que ele não seja um olhar emancipador, mas já é um olhar para a emancipação.

Mc Catra.


  

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Fotógrafa cria série documentando os desafios de envelhecer numa sociedade que cultua a juventude

A seguir uma manifestação interessante sobre o envelhecimento. Os objetos centrais são o corpo e a sensualidade expressões com franqueza  - Do autor (Kayc Pereira).

Andy Schreiber recusa-se a desaparecer. Em um ensaio fotográfico intitulado “Pretty Please”, a mãe de meia idade documenta o envelhecimento no sentido contrário aos estereótipos obcecados dos mais novos, mas na mesma sintonia de sentir-se jovem e sexual.

As fotos de Andy Schreiber conduzem-nos para um olhar sobre a honestidade da idade no corpo físico de uma mulher de 40 anos. A primeira década que expõe, sem cerimônia, o início da mudança de imagem. “Você entra nos 40 anos e as coisas são muito diferentes: suas mudanças de perspectivas e a forma como o mundo olha para você mudam também”.


Envelhecer ou morrer, estas são nossas duas opções. Por que, então, não podemos apreciar o corpo cheio de cicatrizes de filho de uma mulher que quer ser vista? Na série “Pretty Please”, os autorretratos de Andy intercalam com imagens de sua vida cotidiana: uma gota de sangue no vaso simboliza sua fertilidade que vasa e as pernas cruzadas na meia calça preta deixam vivas sua sensualidade.



















Nas imagens, estamos olhando para Andy Schreiber e ela está olhando para nós. Esta é, definitivamente, ela mesma. Sua vida, seu corpo, seu sangue e o desejo de ser vista. Representando, assim, as mulheres de mesma idade que escolheram família, filhos e estabilidade, mas continuam sentindo-se jovens e sexuais.

Todas as fotos © Andy Schreiber

Fonte: Hipeness